Dimitri Lee : Território São Mateus • V.I.MMXX
No período inicial da pandemia ainda pouco sabíamos sobre o vírus. Uma atmosfera de medo e incertezas envolvia a todos, as autoridades apelavam para que as pessoas ficassem em casa. O outro, o amigo, por mais querido que fosse, podia carregar o perigo dissimulado dentro de si. Apesar do risco real do momento, Dimitri preferiu atender ao chamado interior em que o desejo se confundia com o dever, e foi para São Mateus. Se o fotógrafo trás em si as fotos que irá encontrar na realidade, ele sabia onde elas estavam, sabia que tinha que fotografar o que se passava numa das regiões mais pobres da cidade de São Paulo no momento mais agudo de isolamento e distanciamento social.
Aceitou o desafio, era preciso trazer à luz o dia-a-dia oculto de uma população vulnerável, em que boa parte necessita de comida, de atendimento e acompanhamento médico. São necessidades urgentes que devem ser atendidas sempre, ainda mais num momento extremo de pandemia. O fotógrafo registrou as ações comunitárias, como as que criaram eficientes redes de recolha e distribuição de cestas-básicas e produto de higiene; testemunhou a aproximação entre a comunidade e as unidades de saúde. Soube retratar nas suas imagens o trabalho corajoso e dedicado dos profissionais do SUS que, encarando a morte diariamente, se empenharam na tarefa imprescindível de acolhimento aos pacientes.
Suas imagens nos levam por uma paisagem que, a todo o momento, nos quer informar sobre um mundo em que pulula a vida e a morte nos seus mais variados aspectos. Os flagrantes da vida, as moradias, o comércio, os personagens, os animais domésticos, os trabalhadores da saúde em ação, foram admiravelmente fixados pelo fotógrafo. São fotos em branco e preto, que melhor expressa o tempo triste e paradoxal que vivemos. O que atrai o olhar de Dimitri não é o pitoresco ou bizarro, mas o que há de humano mesmo no aparente pitoresco ou bizarro de uma cena. É no concreto das ruas e vielas, no corpo e na expressão de seus personagens, mesmo numa cena desprovida de gente, como a de duas cadeiras solitárias na porta de uma casa, é que colhemos os substantivos abstratos mais essenciais: a solidão, o sofrimento, o medo, a ternura, a fidelidade, o amor...
O mais é apreciar a beleza por vezes cruel, por vezes terna e esperançosa, dessas imagens feitas fotos por um admirável artista que toca luz.
David Oscar Vaz