Cosmologia da Maré Baixa: Solo exhibition by Uiler Costa-Santos

"Essas imagens nos levam a entrever o segredo e o sagrado da constituição da vida no planeta, ao mesmo tempo em que nos incitam a fabulação e ao devaneio, expandindo as raias da realidade visível."

Dois corpos se atraem, gravitam e dançam ritmados descrevendo curvas no infinito espaço. Em meio a esse transe que os sustém no ar, ciclicamente são interpostos por um outro corpo do qual emana a energia vital. Essa mágica conjunção é capaz de reorganizar as forças vitais que geram e animam as existências. O salão de baile onde ocorre essa coreografia interestelar é o Cosmos. A Lua e a Terra são os corpos que, magneticamente atraídos, desenham órbitas em torno do Sol.

Entre tantos fenômenos enigmáticos ligados à astronomia, ao big bang formador do Universo e a intangível percepção do infinito por onde gravitam corpos celestes, como o planeta Terra, nos cabe perceber, nas minúcias da natureza, esse macrocosmo quase abstrato potencialmente conectado a todo micro-organismo, todos os seres, tudo que viceja a partir da conjunção dos átomos.

Resultantes dessa dança dos corpos celestes no Cosmos, os movimentos das marés oceânicas embalaram a infância de Uiler Costa-Santos (Salvador, BA, 1983) nas praias baianas. Entre as marés baixa e alta, o futuro fotógrafo foi permeado pela percepção da natureza cíclica e mutável das coisas do mundo. Na maturidade, Uiler expandiu esses saberes da contemplação aplicando os princípios da cosmologia na sua forma de pensar o mundo, as relações sociais e as tramas políticas do nosso tempo.

Nessas fotografias aqui expostas temos um pequeno recorte de sua obra iniciada em 2017. Sobrevoando de helicóptero, emulando a visão dos pássaros durante os períodos de sizígia — nome que se dá ao alinhamento de três corpos celestes do mesmo sistema gravitacional que impulsionam ao limite marés cheias e baixas —, Uiler capta com extrema sagacidade trechos de territórios marinhos nos quais relevos, cores, formas e texturas fazem ecoar em seus enigmas visuais a pulsão do universo em sincronia.

Essas imagens nos levam a entrever o segredo e o sagrado da constituição da vida no planeta, ao mesmo tempo em que nos incitam a fabulação e ao devaneio, expandindo as raias da realidade visível. Para o artista “num momento em que as subjetividades têm sido menosprezadas, repensar o potencial ficcional das imagens e a capacidade delas de nos reposicionar nos nossos territórios e pertencimentos, por novos caminhos da imaginação, tornou-se uma urgência”.

 

Eder Chiodetto