A pesquisa artística de Cristiane Mohallem é tensionada pelas movimentações conceituais e espaciais associadas sensorialmente. Esses embates que permeiam a construção de suas obras levam a estruturar esses mundos subjetivos em O Mundo Além das Palavras.
Nessas obras, é possível corroborar como os procedimentos pictóricos são articulados pela artista na mesma simetria, tempo, e em suportes diferentes: nas telas das pinturas, nas telas dos bordados, no papel dos desenhos. Assim, mais que suportes, aparecem como conjuntos instalativos que circulam e circundam em aproximações e alongamentos de cartografias e cromatismos / cromatismos e cartografias. Nessas operações, é possível atingir pelo gesto do fazer, ( por meio das obras e imagens resultantes), uma movimentação encíclica de frames das pinturas a óleo aos bordados em sua extensão. Especialmente no olhar a partir do interior do outro, nos recortes das janelas em Sala Azul com Sofá Amarelo (2023) é possível verificar essa colocação.
Desse interior, extrapola à plenitude expandida ao exterior nos bordados - sobretudo nos recortes que atingem à natureza e/ou elementos dela aqui representados. Esses recortes se articulam como atores de uma peça teatral viva onde a espacialidade é ilimitada, extrapolando à plenitude sensorial expandida , a partir das texturas e morfologias cromáticas. Cronologicamente, no fazer da artista, a pintura veio primeiro - a partir de dentro e depois as linhas têxteis - onde “o bordado é feito desde fora” pontua Mohallem.
Essas cartografias podem ser lidas como poemas visuais sem títulos e são, a psicanálise e a poesia, embates sólidos na pesquisa da artista. Poemas visuais sem títulos definidos, definidos na compreensão do todo, que como os de Rumi ( forte referência para a artista) , associam e nos articulam na construção de ideias expandidas: A inspiração que você procura já está dentro de você. Fique em silêncio e escute.[1]
Para artista
Essa ideia seria da imagem falar por si, ou o silêncio do bordar, do pintar, da introspeção, lugar sem palavras que cria as imagens e que são as imagens. O mundo sem palavras é também esse lugar de onde veem as imagens.
Escutar as palavras e levá-las como parte dos manifestos visuais construídos, porque, ir além delas, implica discursos visuais solidamente estruturados na sua concepção e implantação: poesias, fantasias, psicanálise, discursos visuais a partir de engrenagens interdisciplinares com suas implicações culturais.
Escutar as imagens!
Nessa direção, pontua Mohallem:
Seguindo a ideia da Dra. Nise (Nise da Silveira 1905 Alagoas/1999 Rio de Janeiro), que vem da psicologia junguiana, as imagens viriam do inconsciente. Entendo que assim, o artista, para fazer essas imagens, teria que deixar-se levar por elas, ouví-las…. Sempre penso que me cabe encontrar as imagens que querem que eu as faça. Segundo a Dra. Nise as imagens teriam o poder de nos comunicar o indizível, o que está no inconsciente coletivo ou pessoal.
Na série de bordados Pedra, Flor e Sapucaia (2023) é palpavel também esse caráter cíclico a partir das rupturas semânticas e fonéticas na objetividade e nas normas tradicionais da figuração ao provocar subjetividades além das convenções. É impossível, por exemplo, fazer uma catalogação botânica do representado. Mas, é possível verificar a conjunção entre ciência e arte no que se refere a estruturar fatos da experiência para revelar aproximações e contradições entre o homem e o universo e o primeiro como agente do segundo.
O que parece interessar à artistas é diluir a representação e explorar afluentes artísticos/sensoriais infinitos e diluídos explorando e projetando, a partir daqui, possíveis convergências com o cotidiano, com convicções, com referências plurais dos espectadores.
A circularidade cíclico-construtiva que Mohallem articula para construir suas obras de arte é parte delas. É como uma instauração (Tunga) sugerida ou literal como pode ser corroborado no vídeo Baobá (2021) - aqui que veio minha fascinação inicial pela pesquisa da artista. Essa circularidade criativa é verificável nos desenhos da serie Jardim (2020/2023) nessa economia transitiva das linhas arquitetadas por pontos sucessivos que nos transportam ao conjunto de obras da exposição e que vai se acentuando em gramatura e cromatismo nas pinturas e nos bordados dialeticamente, e que denunciam intenções e desejos da artista para nos deleitar com um mundo além das palavras.
Andrés I. M. Hernández • Curador